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Bloody roots: A raiz do amor às pistas e o Palio de Track Days de Pedro Testa

De fala simples, direta e sempre rindo em alto e bom som, Pedro Testa é o tipo de entusiasta sem filtros. Sem frescura. Conforme você olha para os detalhes do seu Palio de track days, fica fácil de ver como ele reflete a personalidade de seu dono: humor, amizade e franqueza estão espalhados em todos os poros do Fiat, nascido originalmente como um dos 50 carros da Copa Palio que foram preparados pela Greco Competições em 1997 para a categoria que, por muitas vezes, abriu as provas da Stock Car.
Os veículos de competição da Copa Palio eram extremamente simples em sua receita de preparação, mas dinamicamente muito intensos, graças ao relativo baixo peso (abaixo dos 900 kg) combinado a um comportamento bastante traseiro: com muita cambagem e cáster na dianteira, pressão de pneus altíssima na traseira e suspensão com carga a rodo, era normal que seus pilotos fizessem quase todo o traçado de lado, frequentemente contra-esterçando ao longo de toda a curva. As provas eram marcadas por disputadas eletrizantes e equilibradas, às vezes com três ou quatro carros disputando a mesma freada.
A união entre Pedro Testa e este carro aposentado da Copa Palio, que em suas mãos foi repintado com uma homenagem aos McLaren da década de 1980, foi trilhada por um caminho de três palavras: amor às pistas. Como muitos de sua geração, Testa teve esta paixão esculpida por muitas provas de arrancada em Interlagos, assistidas da arquibancada com o seu pai, dezenas de episódios de Overhaulin’ e os primeiros filmes da franquia Velozes e Furiosos. Sua primeira experiência em Interlagos foi com o seu segundo carro, um Fiat 500 com upgrades na suspensão, escape, bancos concha e personalizações do 500 Abarth, em uma prova de regularidade. Mas o batizado não exatamente fácil.
“Na penúltima volta, um Mercedes-Benz C63 AMG me cortou por dentro na Junção, não segurou a linha e me acertou em cheio no pé da porta, me jogando na grama. Fiquei frustrado, achando que nada daquilo era pra mim: logo na primeira vez bati o carro!” afirma, absorvendo a culpa não pelo acidente em si, mas pelo dano que seu carro acabou sofrendo.
Mas era tarde demais para querer tirar a pista de seu sangue. O autódromo já fluía em suas veias e uma série de coisas lentamente cimentariam o seu caminho em direção ao Palio. Apenas seis meses depois, um Honda Civic Si Vermelho Rally entrava em sua garagem. Foi o carro que o levou a conhecer Márcio Mastroianni, da Way Motorsport (oficina de preparação especializada em Honda), e toda a turma dos track days, entre eles, o piloto de drift Raphael Panigalli, que acabou se tornando quase um irmão.
Num flash, todo o receio desapareceu: Pedro estava de volta aos autódromos. Como cereja do bolo, seu amigo José Santiago, fundador da Crazy For Auto, que organiza vários track days principalmente em São Paulo, o ajudou a conseguir um curso de pilotagem na Alpie.
O golpe final veio algum tempo depois, quando ele e o Márcio, da Way, foram para o Autódromo de Piracicaba, para que Márcio testasse um Honda Civic LX 1999 do Campeonato de Marcas. Nada de outro mundo, mas um carro preparado para uso definitivo em pista: todo aliviado, gaiola, suspensão feita, motor B16 com módulo Hondata. “Na hora que eu provei o veneno que é um carro de pista, concluí na hora que precisava de uma ratoeira daquelas. Principalmente quando comparamos os custos entre usar um carro do Marcas e um esportivo de rua no autódromo”.
E assim o Palio surgiu na vida de Pedro – era um dos carros que estavam em posse do Sr. Antônio, da antiga Escola de Pilotagem Interlagos. Veja como era a sua pintura antes de ser personalizada por Testa, bem como o início da preparação para o tema atual.
O próprio Márcio Mastroianni acabou indicando aquele que se tornou um grande amigo e que é o preparador do Fiat até hoje, o Eloy Canteras, da CK Motorsport. Transparente e direto como Pedro, ele disse ao novato: “meu negócio sempre foi arrancada. Eu nunca andei na vida com um carro desses, você está começando também. Então vamos descobrir juntos, vamos desenvolver juntos, botar a cara a tapa e ir descobrindo”.
Se deu certo? Basta olhar a quantidade de carros de circuito que estão em volta do Palio. Até mesmo o épico Gol turbo de Eloy (é o primeiro carro à esquerda do Palio de Testa na foto acima), conhecido nas pistas de arrancada e que chegou a rodar com 730 cv nas rodas, acabou banhado dessa cultura e, aos poucos, está sendo convertido para a atividade em circuitos.
Três meses depois, em janeiro de 2015, o Palio fazia a sua estreia em Interlagos (abaixo, fotos de Rafael Micheski), já com sistema de injeção Fuel Tech FT350, bancos Bride e volante Nardi. Ao recordar da experiência, Pedro mistura empolgação e receio. “Eu estava morrendo de medo, fiz o Santiago descer pra pista comigo, depois o Pani. Carro de pista tem uma dinâmica que assusta quem nunca esteve dentro. É muito solto, muito traseiro. Você tira o pé do acelerador e o bicho já quer atravessar. Comecei conservador ao extremo, com 35 libras na traseira, e ao longo de um ano e oito etapas em Piracicaba, é que fui chegando às atuais 75 libras (calibragem fora da especificação de fábrica, usada em competições para deixar a traseira solta).”
Ao longo desse processo, muitas rodadas e atravessadas – quando pilotados no limite, carros de corrida são bem mais traiçoeiros que automóveis de rua: “Travei as rodas e rodei pra caramba em Interlagos… no Lago, no Laranjinha, no Mergulho, em tudo quanto é lugar. O Santiago me ajudou muito a refinar e a evoluir a pilotagem”.
Hoje, o Palio é conhecido entre os amigos do meio dos track days de Piracicaba como o terrorista dos Civic Si, Golf GTi e Citroën DS3, por causa dos tempos de volta baixo e da alta velocidade obtida nas curvas do circuito. O autódromo traz como características retas curtas e curvas longas em sequência, o que reduz bastante a vantagem de potência de esportivos maiores. Em janeiro deste ano, chegou a cravar 1:21,0 no autódromo – “no miolo estou dando trabalho até para os Audi DTCC”, se orgulha.
Todo de lata (890 kg), apenas com painéis internos removidos e vidros laterais e vigias substituídos por peças em lexan, a receita do Fiat preserva a sua essência bloody roots da Copa Palio. Sem componentes ou soluções exóticas.
Com 121 cv nas rodas, 14 mkgf de torque e corte de giro a 8.250 rpm, o motor apresenta corpo de borboleta do Tempra 2.0, taxa de compressão de 11,5:1 (que deve subir para 12,5:1 com a adoção dos pistões forjados que Pedro deve instalar em breve), cabeçote retrabalhado com taxa, guia e sede de válvulas, coletor de escape dimensionado 4×1 com saída na lateral Greco, polia variável, comando de válvulas especificação “argentina” da Carlini Competizione, coletor de admissão original e um sistema de captação de ar frio digamos que… bloody roots! O câmbio usa carcaça do 1.6 16V, mas relações do Uno Mille Fire.
O conjunto dinâmico é também direto ao ponto: molas curtas e amortecedores Bilstein originais da Copa Palio, buchas de borracha originais, correntes de amarração na suspensão traseira (uma espécie de barra estabilizadora old school, limita a rolagem ao conectar a suspensão à carroceria). Com potência relativamente baixa e peso-pena, os freios são tão pouco usados no autódromo que o sistema permanece o original, com a remoção do hidrovácuo para melhorar a modulação e a adoção de fluido Pentosin como únicas modificações.
Os carros de competição do Campeonato de Marcas usam pressões de pneu e ângulos de cambagem pouquíssimo ortodoxos para fazer a traseira deslizar o máximo possível: se a pressão dos pneus dianteiros fica em aceitáveis 27 libras, a cambagem no eixo é de nada menos que oito graus negativos – e a pressão nos pneus traseiros é de inacreditáveis 75 libras.
Com esta receita, a traseira do veículo começa a apontar para dentro da curva automaticamente, do meio para o fim do processo de frenagem, permitindo que o piloto acelere muito antes do que num acerto convencional. Sempre deslizando de lado – e muitas vezes contra-esterçando –, o piloto pode manter o pé cravado nas curvas sem lidar com a escapada de frente tradicional de um veículo de tração dianteira.
O Palio de Pedro testa calça um jogo de Dunlop SP Touring T1 , uma das opções de melhor custo-benefício da marca, com baixo índice de resistência ao rolamento e orientado para veículos compactos e médios que rodam bastante.
Originalmente eu usava os pneus de rua que boa parte dos carros do Marcas usavam. Na hora de trocá-los, pesquisei com alguns pilotos da própria categoria e a turma estava falando dos Dunlop, que viravam tempo similar, mas eram quase 50% mais em conta. Minha estreia com eles foi sob chuva pesada no Autódromo de Curitiba, e chamou a minha atenção a performance e a confiabilidade na chuva. Andei com 28 libras nos quatro pneus. Gosto da comunicabilidade do limite de aderência e da capacidade de escoamento com piso molhado. Está durando bastante. E, olha, só de não ter descamado os ombros numa sessão de vinte voltas à moda da casa, já dá pra saber que o pneu é bom. Porque tem muito pneu que não aguenta esse uso intenso… em uma das etapas, cheguei a dar 97 voltas com ele”.
Na porta do Palio, chama a atenção o tributo póstumo ao seu amigo e piloto de drift e de track days Raphael Panigalli, bastante conhecido na cena dos entusiastas de São Paulo, e que faleceu há pouco mais de um ano por complicações respiratórias. Pedro e Raphael eram muito próximos, e o carro acabou ficando como um elo dessa sinergia.
“O Pani era meu irmão de verdade, passava muito tempo em casa. Quando o conheci, ele já estava fazendo alguns dos tratamentos. Viajamos juntos para Orlando, onde ele fazia um curso de aviação, e isso abriu muitos horizontes na minha vida. Vi carros de drift pela primeira vez em Daytona, graças a ele. Nos seus últimos treinos de drift, eu manobrava o seu carro (um Toyota Chaser Mk II) até a saída de box, porque ele já não tinha muita força nas mãos.
Por algum motivo ele decidiu adotar o Palio. Ele vivia no Eloy vendo o carro, comprava as peças e nem me avisava, às vezes ficava a tarde toda instalando. Numa de suas viagens, ele comprou dois volantes Nardi e me deu um deles, que é o que eu uso até hoje. O Palio foi o último carro de corrida em que ele andou, guardo tudo isso como uma ótima lembrança.”
Este é o Fiat Palio de track days de Pedro Testa. Um carro que não apenas reflete o bom humor e a franqueza de seu piloto, mas que também carrega muitas histórias e amizades – dentro e fora das pistas.
FlatOut - 30/06/2016